A gente vive adiando nossos sonhos por conta daquilo que faz o mundo girar: dinheiro. Acontece que, sem atitude e um pouquinho de loucura, a vida vai passando e de nada vale o trabalho massante (e até angustiante) dentro de escritórios. O casal Michele Martins e Renan Greinert cansaram de esperar pelas férias e largaram seus empregos para viajar ao redor do mundo com pouca grana.
A administradora e o engenheiro criaram o projeto Mundo Sem Fim, expedição que começou no dia 25 de setembro de 2015, quando resolveram deixar o Brasil para cair na estrada e percorrer Américas, África, Oriente Médio, Ásia, Europa e Oceania gastando o menos possível. Isso inclui deixar as viagens de avião de lado e procurar por trajetos terrestres, missão que vem sendo cumprida desde então.
Nômades Digitais (ND): Por que decidiram mudar o rumo de suas vidas?
Mundo Sem Fim (MSF): Há uns 8 anos, eu (Renan) fiz meu primeiro mochilão pelo Peru e Bolívia – uma viagem curta, de férias – e aí conheci bastante gente que comentou que já estava na estrada há meses (ou anos). Depois disso, voltei decidido: quando mudasse de emprego, juntaria o dinheiro do acerto para viajar uns 6 meses pela América do Sul.
No fim das contas, mudei de emprego mais duas vezes (e também de cidade: deixei Curitiba o fui para São Paulo) e nada de realizar aquele sonho. Depois, quando comecei a namorar a Michele, falei para ela juntar dinheiro, pois tinha essa ideia de viajar por alguns meses. Neste tempo, fomos vendo alguns filmes e lendo vários livros de pessoas que viajaram o mundo inteiro. Nosso sonho foi aumentando de tamanho. Até que, em 2015, uma combinação de fatores foi decisiva para largarmos tudo: no exato dia em que a Michele cumpria seu último dia de aviso prévio (pediu demissão porque a empresa onde trabalhava mudaria de endereço), eu fui demitido da empresa onde trabalhava há alguns anos e recebi uma boa grana no acerto.
Além disso, nessa mesma época ganhamos uma graninha de indenização de uma empresa aérea que havia perdido nossa bagagem numas férias anteriores. Neste ponto tínhamos tudo a nosso favor: algum dinheiro guardado e estávamos sem emprego. Se não fosse naquele momento, não seria nunca. Aí começamos a vender tudo o que tínhamos, acertar as papeladas, tirar passaporte e vistos e, em 4 meses, já estávamos na estrada, sem prazo para voltar!
ND: Como fazem para ganhar ou ter dinheiro no meio do caminho? Trabalham à distância?
MSF: Por enquanto nossa balança financeira ainda é negativa, e a viagem está sendo bancada com parte do dinheiro que juntamos. Nós trabalhamos em alguns lugares em troca de hospedagem, comida, passeios e gorjetas para conseguir conhecer os lugares mais caros.
Também anunciamos algumas fotos para vender e estamos publicando anúncios no nosso site. Este mês o dinheiro começou a entrar. Temos esperança de que, até o fim do ano, já estejamos ganhando o suficiente para nos mantermos.

Depois da trilha para o cerro Fitz Roy, Argentina
ND: Como vocês têm se virado com hospedagem?
MSF: Na Argentina e no Chile tivemos bastante sorte com couchsurfing e com a solidariedade das pessoas (muitas pessoas que conhecemos no caminho ou que acompanhavam nossa página nos convidavam para passar uns dias em suas casas). Inúmeras vezes também acampamos à beira da estrada para economizar.
Na Bolívia não tivemos sorte nem com convites nem com couchsurfing, mas sempre encontrávamos hospedagens bem econômicas. No Peru já começamos a ser cara-de-pau: mandávamos e-mails para hotéis contando sobre nosso sonho. Surpreendentemente, vários deles foram solidários e nos deram hospedagem gratuita!
ND: A vida na estrada é cheia de perrengues e histórias que ficam guardadas na memória. Já têm alguma pra contar pra gente?
MSF: Não saberíamos escolher uma em especial, mas podemos citar algumas experiências que ficarão na nossa memória: a primeira carona, a viagem de barco de 2 dias pelo Amazonas, quase morrer de frio acampando sob as estrelas no deserto do Atacama, as trilhas impressionantes na Patagônia, nosso primeiro acampamento à beira da estrada e, sobretudo, os momentos que passamos com as pessoas incríveis que conhecemos pelo caminho. Um dia ainda escreveremos um livro sobre esses momentos!
Com o caminhoneiro Hernán, a primeira carona na Argentina
ND: O objetivo de viajar de avião o menos possível está sendo cumprido? Qual é a maior dificuldade que encontraram nos trajetos até agora?
MSF: Até agora não precisamos voar nenhuma vez, e a experiência está sendo ótima! Desta forma estamos conhecendo lugares surpreendentes fora da rota turística tradicional. Ainda não tivemos muitas dificuldades, mas já estamos nos preparando para a primeira: como atravessar da América do Sul para a América Central. Depois ainda temos vontade de conhecer algumas ilhas caribenhas, como Cuba e Jamaica. Estamos avaliando a possibilidade de trabalhar em navios veleiros nestes trechos.
ND: O que mais sentem falta no Brasil? Já deu pra ter saudade?
MSF: Já sim! Tirando a saudade dos amigos, parentes e do povo maravilhoso, sentimos muita falta da comida – principalmente da feijoada e dos churrascos nos fins de semana. A Argentina e o Uruguai podem ter as carnes mais macias do mundo, mas ninguém faz churrasco como nós!
Viagem de barco de dois dias pelo Amazonas até Iquitos, no Peru
ND: Você acabaram de se aventurar em Iquitos. Foi a melhor experiência até o momento?
MSF: Nestes meses viajando vivemos muitas experiências maravilhosas, e é difícil dizer qual foi a melhor. Mas sem dúvidas Iquitos está entre as top 5!
ND: Estar mais próximo da natureza traz uma nova visão de mundo?
MSF: Não apenas estar próximo à natureza, mas também estar próximo às pessoas que vivem dela. Nestes meses viajando (principalmente no Peru e Bolívia) conhecemos pessoas muito humildes que nos contaram como a vida está difícil no campo: as plantações já não crescem como antigamente, os rios já estão secos e os animais já não suportam as mudanças climáticas. Sempre víamos na TV as consequências do aquecimento global e da poluição, mas é muito diferente ver tudo isso na prática. Hoje, mais do que nunca, entendemos a importância de salvar nosso planeta.
Acampando no deserto do Atacama, Chile
ND: A experiência com Ayahuasca te transformou de alguma forma, Renan? Faria de novo? Recomenda aos viajantes?
MSF: Não posso dizer que me transformou, mas foi uma experiência muito interessante. Se faria de novo? Não sei dizer. Por enquanto, diria que não (passei muito mal no fim do ritual). Em mais alguns anos, quem sabe? Sobre fazer recomendação, acho uma questão bem delicada.
Escrevi como foi minha experiência para ajudar cada um a tomar a sua decisão. Se a pessoa estiver interessada, acho que vale a pena experimentar. Se estiver na dúvida, deve refletir um pouco mais e buscar mais informação. Se achar que não está pronta, melhor deixar para lá.
ND: A viagem tem data para terminar? Qual país vocês têm mais curiosidade de conhecer?
MSF: Não temos data para terminar. Temos o esboço de um roteiro, que já mudamos várias vezes. Estimamos viajar mais uns 3 ou 4 anos, mas se conseguirmos ganhar dinheiro pelo caminho é possível que dure bem mais.
Tem vários países que temos curiosidade, principalmente estes que estão um pouco fora da rota turística tradicional e de onde não se tem muita informação: o continente africano de forma geral, o Oriente Médio, a Coréia do Norte…
Quando finalmente cumpriram a primeira etapa da viagem – chegar ao fim do mundo!
ND: Qual conselhos vocês dão aos que ainda só sonham e não realizam?
Uma vez vimos um vídeo que fazia uma abordagem bastante interessante: as pessoas não têm sonhos, os sonhos têm as pessoas. Um sonho diferente escolheu cada um de nós, e é nossa missão realizá-lo, apesar de haver todo um universo conspirando contra.
Muitas pessoas confundem sonho com dinheiro, mas não é bem assim – o dinheiro ajuda a realizá-lo (se não tivéssemos conseguido juntar dinheiro, provavelmente não estaríamos aqui), mas é preciso saber até que ponto ele ajuda e quando começa a atrapalhar. Já tivemos chefes muito ricos que não tinham nada além de dinheiro. Por outro lado, conhecemos várias pessoas que viajavam vendendo artesanatos ou como artistas de rua e eram muito mais realizados que qualquer milionário por aí.
Você deve descobrir qual sonho te escolheu (“ser rico” não vale!) e fazer com que sua realização seja seu objetivo de vida. Não importa se o sonho é viajar, descobrir a cura do câncer ou se formar em alguma faculdade: nunca é tarde para alcançá-lo!
Festival do Tinku, em Macha, Bolívia
No mirante do cerro Aconcágua, Argentina
Cozinhando na rodoviária de Paysandu, Uruguai, para economizar
Todas as fotos © Mundo Sem Fim
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