História Nômade

História Nômade: Porque toda viagem é uma viagem de volta

Como nosso objetivo é inspirar, aqui no Nômades Digitais abrimos espaço também para ouvir histórias de pessoas que correram atrás dos seus sonhos e hoje conseguem trabalhar e viajar pelo mundo ao mesmo tempo ou simplesmente decidiram passar um tempo da suas vidas desbravando esse mundão. O convidado de hoje é Felipe Gaúcho, o criador do projeto, que virou livro, Jovem O Suficiente. Conheça a sua história:

Desci do barco de madeira na minúscula ilha de Chachauate, a 50km da costa de Honduras, com uma foto surrada em mãos. Ela retratava um garoto local sobre meus ombros, brincando no mar, naquele mesmo lugar, havia dois anos. Pisei na areia e adentrei a ilha apreensivo: depois de muito mostrar a fotografia; perguntar pelo paradeiro da criança, no continente; e receber incontáveis negativas, eu não tinha ideia se conseguiria encontrar o menino que tinha motivado minha viagem até ali.

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A tal da foto surrada

Toda viagem é uma viagem de volta. Homero eternizou essa ideia há milhares de anos: se a “Ilíada” é uma narrativa épica do herói Ulisses na Guerra de Tróia, a “Odisseia”, continuação e desfecho da história, é a sofrida jornada de volta do protagonista a sua pátria. “Into the Wild”, um dos filmes de aventura mais tocantes das últimas décadas, ressignifica o conceito metafisicamente: Alexander Supertramp atravessa a América do Norte e chega ao Alasca para ter de volta o convívio direto com a natureza (ele inclusive retoma seu nome de batismo, Christopher, ao final da empreitada). “Walk Out Of Eden“, um dos projetos de viagem mais ambiciosos da atualidade, traz um olhar de certa forma histórico à ideia: o jornalista “Paul Salopek” está há alguns anos (serão sete, no total) caminhando por uma rota que vai da Etiópia até a Patagônia, refazendo o percurso traçado pela humanidade ao longo da sua evolução, e promovendo uma volta às origens da nossa espécie.

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Crianças da ilha à qual regressei, em Honduras

Com 19 anos, eu embarquei em uma viagem bem menor do que essas, mas que compartilhava de um propósito similar. Certo de que o tempo vinha roubando de mim – e de todos ao meu redor – a juventude, parti para uma volta ao mundo de um ano e meio durante a qual fotografei, convivi e conversei com as crianças que cruzaram o meu caminho. Minha intenção sempre foi a de redescobrir através delas a tal da “juventude perdida”: voltar, ainda que em espírito, a um tempo no qual abundava o exercício do sonhar, e em que a vocação falava mais alto que a obrigação.

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Uma das faces da “juventude perdida”, na Índia

Nada do que se seguiu, nem do que precedeu a viagem, teria acontecido sem a internet. A jornada foi bancada pelos concursos culturais dos quais participei, na web, durante a adolescência. Revendi os mais de 20 prêmios que ganhei nessas promoções através do Mercado Livre, e juntei uma bela de uma grana quando ainda era moleque. No cotidiano da viagem, escrevi e fotografei constantemente, salvando tudo o que era produzido na nuvem, de onde quer que estivesse. Mais tarde, tendo já regressado, publiquei o livro Jovem O Suficiente, que resultou da experiência, por meio de um financiamento coletivo no Catarse (o maior que a plataforma já teve na categoria “literatura”) – a campanha de divulgação se apoiou 100% no digital.

Se há um tempo que propicia o nomadismo digital, esse tempo é agora.

Recentemente, viajei para a Bahia, para o Rio Grande do Sul, para o Peru e para os Estados Unidos. Pude escrever (se eu não amasse o ofício, usaria a palavra “trabalhar”) de todos esses lugares.

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Uma pausa durante a gravação de alguns dos takes do vídeo, no interior de São Paulo: não dá pra chamar isso de trabalho

O sentimento que me tomou, depois de algumas dessas últimas aventuras, foi o de gratidão. Gratidão àqueles que apoiaram meu projeto, no financiamento coletivo. Gratidão à internet (por mais bizarro que soe), por prover as ferramentas que possibilitaram tudo isso. Gratidão às crianças com quem convivi durante minha volta ao mundo, por terem me inspirado e me feito arregalar os olhos da alma para a beleza que mora na simplicidade.

O sentimento cresceu a ponto de transbordar para o campo da ação. Voltei a Honduras, dois anos depois de ter pisado no país pela primeira vez, para tentar reencontrar uma dessas crianças. Precisava agradecê-la por me inspirar e ajudar a realizar meu sonho, e filmar um vídeo para estender esse agradecimento e essa inspiração a todos os que quisessem assistir.

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O cumprimento típico nos arredores do Himalaia é também um gesto de gratidão

A gratidão é traída, no português, pela gramática que a expressa. Dizer “obrigado” evoca algo diferente do sentido que brota a partir de um thanks, ou de um gracías. Sentir-se obrigado [a retribuir um favor] é relativamente aprisionante. Mais próximo dos agradecimentos no inglês e no espanhol seria o “dar graças”, que tem uma conotação muito mais libertadora. Agradecer não deve ser um fardo. Agradecer é brindar à leveza, é fazer o outro achar graça. É gestar sorrisos, tocar o coração. Não há maneira mais genuína de se retribuir uma benfeitoria que passar adiante a emoção nascida a partir dela. E é nesse sentido que esse vídeo se propõe a agradecer.

Todas as fotos © Felipe Gaúcho

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Você pode acompanhar as histórias de Felipe no Facebook do projeto ou no Instagram.

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