Viajante de carteirinha, a fotógrafa e nômade digital Patricia Schussel Gomes deu adeus ao seu último endereço fixo em 2014 para virar uma cidadã do mundo. Nascida em Curitiba, foi criada em Foz do Iguaçu até os 18 anos de idade e tem um carinho especial pela cidade. “Me orgulho muito e acho que o turismo e a diversidade cultural presentes por lá influenciaram muito na pessoa que sou hoje”, contou ao Nômades Digitais.
Depois de se formar em design gráfico na PUC-PR, atualmente tem 29 anos e trabalha com fotografia, talento que nos levou até ela para um bate-papo sobre seu estilo de vida. Se liga:
– Quando e como começou sua vida de nômade digital?
Eu já viajo há muitos anos e nunca fui muito de parar quieta em um só lugar, mas há cerca de 2 anos eu não tenho um endereço fixo. Isso não foi algo que programei, foi acontecendo naturalmente após uma grande frustração com a rotina de trabalho tradicional e os valores da minha profissão.
Deixei o último apartamento no qual morei em fevereiro de 2014, a princípio sonhando em fazer uma especialização em fotografia no exterior, para seguir com aquela paixão que até então era apenas um hobbie de viagens, mas tudo foi tomando um rumo diferente do que eu imaginava.
O curso que era para ser no exterior acabou sendo em São Paulo, onde passei uns meses de idas e vindas sem saber quais seriam os próximos passos. O tempo passou rápido demais, assim como minhas reservas financeiras, e logo eu me deparei com a necessidade de criar algo que fosse meu e que me possibilitasse trabalhar com o que eu amo e, ainda assim, ter a liberdade que eu tanto ansiava.
No meio de uma enorme crise financeira pessoal e me recusando a voltar a trabalhar para empresas, eu continuava divulgando incansavelmente meu trabalho de fotografia de viagens, mas a única recompensa que recebia em troca eram muitos elogios e muitas perguntas. Até que um belo dia comentei com um amigo que se eu ganhasse R$1 por cada pergunta que eu respondia diariamente sobre fotografia, meus problemas estariam resolvidos, e foi aí que veio a ideia: “E se eu criar um curso?“.
Hoje em dia, e há cerca de um ano e meio, eu me sustento de duas formas: vivendo com muito menos e dando um workshop itinerante de Olhar e Composição Fotográfica pelas cidades por onde vou.

– As pessoas ainda têm muitas dúvidas e até mesmo uma certa insegurança sobre esse estilo de vida. Se fosse pra você dar um conselho, qual seria?
Se eu tivesse que resumir em um único conselho, seria: aprenda a viver com menos! A vida nômade pode ter muitas vantagens e é muito fácil se encantar com este estilo de vida, mas é muito importante lembrar que estas não são vantagens para qualquer pessoa e, nessa hora, o auto-conhecimento é fundamental. É preciso ter muita consciência do que você quer, mas principalmente do que você não quer para conseguir se manter firme diante de todas as dificuldades financeiras, sociais e emocionais que virão.
As dificuldades não acabam, elas até aumentam, o que acontece é que você passa a ter dificuldades que você consegue lidar e deixa de lado aquilo que você não suportava mais na outra vida que levava – é uma mera questão de prioridades, as duas vidas possuem suas respectivas dificuldades.
No entanto, o exercício diário de viver com menos e praticar o desapego é um aprendizado essencial em qualquer tipo mudança: trocar de emprego, mudar de país, melhorar seus hábitos, entrar ou sair de um relacionamento ou, então, trocar sua casa por uma mochila, que foi o que eu fiz. Eu acredito muito que o futuro tende a ser cada vez mais colaborativo e a prática do desapego é algo que só vai somar na sua vida e impactar positivamente na vida de quem está ao seu redor.

– Você consegue se manter bem financeiramente com essas atividades?
Minha principal fonte de renda hoje vem dos workshops de Olhar e Composição Fotográfica que dou com meu sócio Brian, também fotógrafo de viagens, em diversas cidades do Brasil. Nós fazemos toda divulgação através do Instagram e outras mídias sociais onde temos bastante impacto. A ideia desde o início foi aproximar os seguidores do nosso trabalho, já que as dúvidas eram frequentes e recorrentes, assim qualquer seguidor pode participar e aprender de forma bem intimista sobre o que fazemos e a maneira que aprendemos fotografia: viajando.
No entanto, desde que me tornei nômade, venho atuando com diferentes áreas da Comunicação nas quais adquiri bastante conhecimento por ocasionalidade, como mídias sociais, redação, marketing e design gráfico (que é minha formação). O que percebi sendo nômade digital é que no início você vira um verdadeiro “faz-tudo”: você é o estagiário que recorta papéis, o diretor de arte que vara noites trabalhando, o redator que cria e aprova seu próprio texto e é também o gerente que vem com uma ideia genial para os outros “você’s” executarem. Ah! E o mais importante de tudo: você é o caixa e o setor financeiro também – é praticamente uma multipolaridade profissional! (risos)
Hoje em dia também faço parte de um grande blog de viagens onde compartilho minhas experiências e através de onde pretendo me manter um dia. Esporadicamente também faço alguns freelances de redação e de fotografia, como pequenos eventos, ensaios fotográficos e outras coisas que me permitam trabalhar de forma itinerante.
Se consigo me manter bem financeiramente já é outra questão, pois eu vivo com muito menos do que uma pessoa com uma rotina normal vive: não tenho casa, não tenho carro ou qualquer outro bem que requer um grande gasto fixo mensal e tenho certeza que seria muito mais difícil me manter caso estes gastos existissem.

– Como faz com hospedagens?
Normalmente fico em casa de amigos ou familiares, mas durante este tempo já usei couchsurfing algumas vezes, que é uma espécie de rede social de troca de hospedagens, e também já fiz permuta de trabalho por hospedagem em diversos hostels e até hotéis.
– Quais são os maiores perrengues e as maiores vantagens de ser uma viajante?
As vantagens são bastante óbvias e é o que normalmente atrai as pessoas para idealizar este estilo de vida: você é livre, pode ser feliz da maneira que quiser, criar as próprias regras e fazer o que bem entende! No entanto, é bem importante lembrar que os perrengues são tão fortes quanto os benefícios. Sabe aquela parte chata de qualquer viagem?! Despedidas constantes, poucas opções de roupas e bens materiais, economia e instabilidade financeira, saudade de dormir na própria cama?! Pois bem… eu lido com isso há mais de 2 anos.
Além disso, outros fatores emocionais de estar longe da família, não estar presente em momentos importantes, ter dificuldade para se envolver com alguém pois você é a pessoa que está sempre indo embora, aguentar o julgamento de 90% das pessoas que não entendem a vida que você leva, e por aí vai… Acredito que estamos vivendo um momento de transição onde isso está começando a ser mais comum e menos utópico perante a sociedade na qual vivemos, mas ainda não é fácil encarar, por isso é tão importante estar preparado psicologicamente para qualquer pressão que possa vir.
– Qual é o seu maior objetivo de vida?
Viver!
– Mas já conseguiu cumprir seu maior sonho? Qual?
Acho bem difícil responder isso porque eu sou aquela típica pessoa que vive sonhando alto e tentando concretizar desafios. Um novo sonho começa assim que eu realizo o último, mas acho que meu maior sonho é bastante coletivo e é algo que tem se realizado dia após dia: inspirar pessoas a sair da zona de conforto e ter mais consciência de suas ações e suas vidas, afinal, somos os únicos responsáveis pela nossa própria felicidade.

Diz aí:
– Um destino que deixou saudade…
De que importaria o destino se não fosse o caminho, não é mesmo?! 🙂
Toda viagem me marca de alguma forma, mas sem dúvidas a experiência mais marcante da minha vida foi uma viagem que fiz com um amigo meu saindo de Curitiba até Ushuaia, a cidade mais austral do mundo, também conhecida como “fim do mundo“, na Patagônia, Argentina.
Apesar da Patagônia ser um lugar fascinante, o motivo dessa viagem ter deixado saudade não tem nada a ver com o destino em si, mas sim com a forma que fomos até lá: sem um único centavo no bolso.
Foram quase 7 mil km percorridos, 37 dias, 30 caronas diferentes, muito frio, muita fome e muitas necessidades que em nenhum momento chegaram a ser um problema, pois também tivemos incontáveis pessoas maravilhosas no nosso caminho que fizeram dessa experiência a melhor da minha vida. Durante todo este tempo não tínhamos nenhum dinheiro para emergências, cartões de crédito, seguro de saúde ou de viagens; nossa única fonte eram nossas fotos impressas em forma de cartões postais que serviam como nossa moeda de troca para tudo o que precisávamos.
Aquela dica que dei no início de viver com menos foi vivida ao pé da letra e acho que essa viagem trouxe aprendizados que vou levar para minha vida inteira! Dentre vários momentos marcantes na viagem, tivemos que dormir no chão de um banheiro de deficientes em um posto de gasolina de beira de estrada no meio do nada, pois era o único lugar onde não iríamos tremer de frio a noite toda – acabou sendo uma experiência super engraçada que damos risada até hoje!

– Aquele clique que não deu tempo de fazer…
Engraçada essa pergunta porque são inúmeras fotos, mas teve uma especificamente que me deixa louca de raiva até hoje.
Eu estava em Ladakh, uma região no extremo norte da Índia que faz fronteira com o Paquistão. Ladakh é uma região muito remota dos Himalayas onde ficam as estradas mais altas do mundo, com paisagens deslumbrantes e muitos mosteiros – e onde tem tantos mosteiros, obviamente, também tem inúmeros monges. Agora me diga: tem coisa mais fotogênica que monges e montanhas para uma apaixonada por cores, como eu?!
Eis que minha diversão acabou quando fundiu o motor do carro e ficamos encalhados no meio do nada por muitas horas. Como não tínhamos muito o que fazer além de rezar por ajuda, aproveitei para fuçar na minha câmera e testar novas funções (eu comecei a fotografar sem nenhum conhecimento técnico de fotografia), até que deixei na função “monocromática” por engano. No mesmo instante, escuto uma buzina distante, corro para tentar pedir ajuda e vejo a foto mais perfeita de todas passando alí na minha frente: um ônibus antigo e amarelo completamente LOTADO de monges com suas vibrantes vestimentas vermelhas dentro e em cima do ônibus, contrastando com a estrada, o azul perfeito do céu e a neve no cume das montanhas.
Pra quem não sabe, fotografia monocromática é foto em Preto e Branco, ou seja, nada disso que eu descrevi sairia na foto. O desespero de tentar voltar a opção colorida da câmera foi tanto, que eu perdi até o clique em preto e branco e tive que me contentar com aquele retrato na minha memória até hoje!
– Viver como nômade me trouxe…
Aprendizado! Eu aprendo muito com cada viagem e sempre volto um pouco (ou bastante) diferente, mas o maior aprendizado com certeza foi durante os 2 anos em que morei em Nova Déli, capital da Índia, em 2011 e 2012, meus primeiros passos para o desejo de uma vida nômade.
Posso considerar que minha vida se divide antes e depois da Índia, por mais clichê que isso possa soar, mas é a mais pura verdade. O choque cultural, as diferenças sociais e vários outros fatores já criam uma mudança natural, mas o que realmente me transformou foi a experiência de ter vivido lá. A adaptação em uma cultura tão diferente da nossa, a aceitação e tolerância que criei perante tantas situações que eu jamais poderia imaginar é algo que realmente transforma uma pessoa para a vida inteira. Sou muito grata por este aprendizado e espero nunca perder os valores que ele me deu.

– O povo mais legal do mundo é o….
Brasileiro!
Eu sei que o povo brasileiro tem um milhão de defeitos que precisamos mudar urgentemente, mas eu não sou aquela pessoa que viaja pra fora e volta botando defeito em tudo por aqui – pelo contrário! Eu volto e me apaixono cada vez mais pela nossa cultura, nossa música, nosso jeito, nossa comida e também enxergo cada vez mais nossos problemas, claro, mas acredito que toda experiência no exterior deve ser somada para evoluir e não para menosprezar as riquezas que temos por aqui. Acho, inclusive, que talvez este seja o nosso maior defeito ao achar que o que está nos países de primeiro mundo é sempre melhor e que nunca vamos chegar naquele patamar – acreditar em nós mesmos é o começo de tudo, não é?!


Todas as fotos © Patricia Schussel Gomes
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